sábado, 14 de janeiro de 2012

ANTEPROJETO DE PESQUISA

Tema: Norma, variação e mudança linguísticas em turmas da EJA.
Área de Concentração: Linguagem e Sociedade

Linha de Pesquisa: ( x ) Aquisição, Variação e Mudança Linguística no Português

Revisão da literatura

A língua é produto social que apresenta diferenças decorrentes de vários fatores geográficos e sócio-culturais. Ela envolve o registro de um pensamento e sua compreensão. A partir de alguns estudos, constata-se que o interesse pela linguagem data da antiguidade clássica. Tal interesse se apresenta desde os estudos dos grandes filósofos gregos Platão e Aristóteles, os quais estabeleceram a primeira classificação das palavras em nomes, verbos e partículas, isto demonstra interesse pela relação da linguagem com o conhecimento.
A língua não é uma unidade imutável, ela tem passado por várias mudanças no decorrer dos tempos. Todas essas mudanças tem se dado devido às influências de vários povos que fizeram parte da história e construção da linguagem. Educar pela palavra, pela língua, pela leitura é um processo permanente, visto que essa prática, como discurso, como produção social é que dá vida a língua, posta a serviço da intenção comunicativa. Como afirmou BAKHTIN ( ) “a língua é um fato social, cuja existência provém da necessidade de comunicação. Estudar a língua em seus aspectos variáveis é aprender a perceber que a expressão da vida humana é um conjunto variado e mutuamente cruzado de variedades geográficas, sociais e estilísticas e entender que essa variabilidade está correlacionada com a vida e a história dos diferentes grupos sociais dos falantes. O domínio da linguagem é imprescindível para a participação efetiva no meio social em que o indivíduo vive.
Portanto, simplesmente aprender a falar e a escrever não é suficiente para que o indivíduo seja capaz de interferir e atuar na comunidade da qual é integrante.
Na verdade, a linguagem é tão importante, que, sem ela, o homem não seria capaz de pensar, pois todo pensamento estrutura-se na forma de alguma linguagem, seja ela verbal, visual, gestual etc. O filósofo grego PARMÊNDS (535-45 a.C.) já dizia que “ser e pensar são uma só e a mesma coisa”, ideia reafirmada pelo filósofo francês DESCARTES (1596-650) na famosa frase “penso, logo existo”.
Partindo desse pressuposto, nota-se que não faz sentido estudar a língua desligada da vida, do contexto real de sua enunciação uma vez que todas as linguagens (verbal, corporal, artística entre outras) são dinâmicas e tem uma história.
Como diz GERALDI, “a língua não é um sistema fechado, pronto, acabado de que poderíamos nos apropriar. No próprio ato de falarmos de nos comunicarmos com os outros, pela forma como o fazemos, estamos participando, querendo ou não, do processo de constituição da língua”.
Para entendermos melhor sobre as mudanças ocorridas na Língua Portuguesa, faz-se necessário um breve estudo acerca das influências sofridas por ela que ocasionaram tais mudanças. A formação, estabelecimento e expansão da Língua Portuguesa no mundo está intimamente ligada à história dos povos que a criaram, interagiram e interagem até hoje, ao longo dos tempos. Por razões históricas, formou-se a partir das mudanças observadas no latim e foi propagada pelos romanos pela Península Ibérica (atual Portugal).
Com o passar do tempo o latim diferenciou-se, dando origem a novas línguas o que o tornou diversificado. Um dos fatores que contribuiu muito para a diversificação da língua foi a estratificação da sociedade romana. Com as divisões das classes sociais e as constantes conquistas originaram-se diferentes variedades de latim. Devido às invasões árabes, entre outros povos, originou-se o galego-português que logo mais se tornaram independentes. A língua Portuguesa oficializou-se no século XIV.
Apesar de ser um estado evolutivo do latim, a fase propriamente histórica da Língua Portuguesa teve início no século XIII e estende-se até hoje. Pois foi a partir desse século que passaram a existir seus primeiros registros escritos.
De acordo com a história, com a expansão marítimo-portuguesa aconteceu um processo de expansão linguística. Assim foi que durante séculos nossa língua foi levada para várias partes do globo a partir da ação dos desbravadores e conquistadores de todos os tempos.
Hoje o português continua espalhado pelo mundo e é língua oficial em países como Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, e é falado por uma parcela da população ou originou dialetos em lugares como Macau, Goa, Damão, dentre outros.
Além de ser um instrumento de comunicação entre as pessoas, a língua expressa a cultura e a identidade de um grupo social. Se a língua enfraquece ou morre a cultura também morre. Dessa forma, ela é fundamental para a sobrevivência da cultura de um povo.
Cada grupo social tem sua maneira própria de falar, em cada região encontra-se diferenças peculiares à sua cultura. Observa-se diferentes vocabulários, sotaques e até mesmo diferenças na elaboração das frases. Porém, nada disso interfere na comunicação. "Deve-se considerar que a língua é um dos veículos da cultura do país onde é falada e, portanto carrega valores dessa cultura" (PCN apud NOVA ESCOLA 1999 p.36).
Diante disso, percebe-se que a prática da linguagem não é neutra, pois os processos que a constituem são histórico-sociais e trazem consigo a função de mundo de seus produtores. Por isso, houve a necessidade do surgimento de uma ciência que estudasse a linguagem e as línguas. Daí, o nascimento da Linguística. Ela surgiu para ampliar a prática da análise da frase. Para isso, considerou o texto e o discurso como objetos de estudo e, consequentemente, estabeleceu relações com outros campos do saber como a Psicologia, a Sociologia, as neurociências, a informática e a inteligência artificial.
SAUSSURE (1969, p. 17), considerou a linguagem "heteróclita e multifacetada", visto que abrange vários domínios - é ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica - pertence ao domínio individual e social; desse modo "não se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe como inferir sua unidade"
O resultado de tudo isso é uma ressignificação do ensino da Língua Portuguesa na escola, uma vez que mais importante que impor uma forma de escrever e falar é entender o funcionamento da língua escrita e falada. Muitas vezes a escola tem dado mais ênfase ao ensino da norma padrão (gramática normativa), não levando em consideração os dialetos de cada grupo social, prejudicando assim as diferentes culturas e identidades.
A norma prescritiva tem deixado explícito certo preconceito, sendo considerados certo ou errado alguns dialetos, sem levar em conta a realidade de cada indivíduo. A língua é dinâmica e se renova constantemente. Muitas palavras caíram em desuso, porém ainda há uma grande resistência nas escolas ao ensinar para os alunos regras da gramática normativa sem questioná-las. Segundo o professor Mário Perine apud Cereja e Magalhães (2006, p.17) "apoiar-se no modelo gramatical construído pela tradição acabou se tornando para muitos, uma espécie de porto seguro, mesmo que seja para a partir desse ponto exercer a crítica ao próprio modelo".
Partindo desse pressuposto, a escola precisa ter muito cuidado com o ensino da linguagem. Segundo os PCNS um ensino produtivo deve partir da observação da língua em uso e dar conta da variação intrínseca ao processo linguístico.
Diante disso, a variedade linguística deve ser trabalhada em sala de aula com o objetivo de proporcionar um melhor conhecimento sobre a língua com a qual nos comunicamos de forma a conscientizar que unidade não significa igualdade.
Justificativa

O que se observa, é um desconhecimento ainda muito grande em relação à forma de abordagem dos fenômenos de variação linguística em sala de aula; e por outro, a existência de milhões de brasileiros usuários de variedades estigmatizadas, que foram ao longo dos tempos excluídos, inclusive, de uma educação linguística formal, dentre estes, a grande maioria dos alunos da Educação de Jovens e Adultos.
Diante disso, pretendemos investigar como os professores do Ensino Fundamental, que trabalham em turmas da EJA, estão trabalhando, não somente as variedades linguísticas de prestígio, mas também as variedades populares, sobretudo as variantes dos alunos, que quase sempre se distanciam da variedade de prestígio no que diz respeito a alguns aspectos formais. A Educação de Jovens e Adultos foi escolhida porque há poucos estudos nessa área, abordando questões metodológicas referentes ao ensino da Língua Portuguesa.
Para dar conta do nosso objeto de estudo, pretendemos responder as seguintes questões: que procedimentos pedagógicos são utilizados por professores do Ensino Fundamental que trabalham na Educação de Jovens e Adultos para trabalhar as questões relativas à variação linguística, como variedades de prestígio, variedades populares, dialetos, norma, gírias, estigma, preconceito, bem como as variantes dos alunos? De que forma o/a professor(a) intervém quando os alunos utilizam variedades estigmatizadas?
Para tanto, tomamos por base estudos fundamentados na sociolinguística variacionista, sobretudo, nas pesquisas desenvolvidas por Bagno (1999,2004); entre outros. Pretendemos com isso conhecer os principais procedimentos pedagógicos utilizados por professores da EJA, para trabalhar questões de variação linguística em sala de aula; e com isso contribuir, por um lado, para combater o preconceito contra às variedades populares; e por outro, para melhorar a prática de ensino em relação aos fenômenos de variação linguística.
Objetivos

 Investigar como estão sendo abordadas as questões de variação linguística em sala de aula, na Educação de Jovens e Adultos;
 Analisar de que forma o professor desse segmento intervém quando os alunos utilizam variedades estigmatizadas;
 Desenvolver a partir da pesquisa procedimentos metodológicos que melhorem a prática de ensino em relação aos fenômenos da variação linguística para este segmento de ensino (EJA).
Quadro teórico-metodológico

Esta pesquisa, terá como espaço de investigação uma sala de aula da EJA, 2º ciclo, cujas aulas ocorrem no turno noturno, em uma escola pública municipal, localizada no Povoado de Conceição, no município de Capela do Alto Alegre, na Bahia. A escola à qual me reporto, tem apenas seis salas de aula, não dispõe de biblioteca, apenas um pequeno acervo da coleção Literatura em minha casa, os quais são oportunizados a alunos e professores. A coleta de dados para a pesquisa, será feita a partir de observação em sala de aula, bem como o registro das observações. Como abordagem metodológica será adotado a pesquisa qualitativa, para buscar a obtenção de dados descritivos, obtidos através do contato direto do pesquisador com a situação estudada. Dentre as possibilidades que a pesquisa qualitativa oferece, opto pela pesquisa etnográfica e pelas orientações da sociolinguística educacional que apresenta um aparato metodológico pertinente ao nosso tipo de investigação, realizando a coleta de dados numa abordagem variacionista.
Nesse sentido, faz-se necessário observar o dia a dia na sala de aula, vendo o perfil de seus autores, alguns aspectos do contexto escolar, para que, a partir dessas observações, possamos compreender melhor como se desenvolve a ação pedagógica em sala de aula, compreendendo quais fatores estariam influenciando tais ações. Com relação a professor(a), será observado suas intervenções e estratégias em relação às variedades populares, seu estilo interacional, se trabalha o currículo visando a realidade do aluno, postura, conduta, letramento, se trabalha com textos que visam a variação linguística e a forma como intervém quando os alunos escrevem ou falam variedades linguísticas desprestigiadas pela sociedade. Já nos alunos, será importante observar seus comportamentos e expressões na oralidade e letramento entre os alunos e o professor e os alunos entre si.
Quanto ao perfil do aluno, será observado a procedência rural, idade, origem, situação socioeconômica, quantos anos estudou, quanto tempo ficou fora da escola e porque voltou a estudar, a partir daí, será feito o perfil da turma. Em relação ao perfil da professora, será analisado os seguintes elementos: procedência, lugar de moradia, situação socioeconômica e cultural, formação inicial, formação continuada, período dessa formação e causas do ingresso no magistério. Com base nas conversas e observações será constatado o perfil da professora. Vale ressaltar, que essas observações serão realizadas especificamente, nas aulas de Língua Portuguesa, sendo, neste caso, o meu papel, apenas de observador participante, sem ocultar a identidade do pesquisador nem os objetivos do estudo, que será revelado ao grupo pesquisado desde o princípio. Na observação das aulas, o instrumento utilizado será o registro escrito.

Referências

BAGNO, M. Preconceito Linguístico: O que é, como se faz? 7. Ed. São Paulo: Loyola, 1999;

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 4 ed. São Paulo:
Hucitec, 1988.


GERALDI, J. W. Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação.
Campinas: Mercado de Letras, 1996.

GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. São Paulo: M. Fontes,
1991.
_____ (Org.). O texto na sala de aula. Cascavel: Assoeste, 1984.

LOPES, Luiz Paulo da Moita. Oficina de Linguística Aplicada. Campinas: Mercado de Letras, 1996. (Coleção Letramento, Educação e Sociedade)

MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. 3 ed. Brasília, MEC/SEF, 2001.
______________ Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília, MEC/SEF, 2001.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. Editora Cultrix. São Paulo, 1993.